quarta-feira, 23 de setembro de 2009

GUERRA FRIA: TEXTO PARA LEITURA DE APROFUNDAMENTO

Como já foi acentuado no texto básico, o tema da Guerra Fria é bastante polémico, havendo diferentes interpretações do fenómeno por parte dos especialistas. Não é propósito, aqui, retomar as questões referentes à periodização da Guerra Fria. Optou-se por tecer algumas considerações relativas principalmente a três aspectos, que se considera de maior importância: os chamados "mitos" da Guerra Fria, a questão da propaganda e, sobretudo, a questão da Guerra Fria vista na ótica de um país do Terceiro Mundo, assunto que normalmente é descuidado, o que contribui para a manutenção dos mitos.Quando se refere aos mitos da Guerra Fria, está-se pensando como o historiador Isaac Deutscher que, numa palestra feita nos Estados Unidos, procurou alertar o seu público para urnas tantas questões relativas às origens da Guerra Fria. Nesta palestra, ele procurava mostrar como a propaganda deliberadamente fazia crer aos habitantes do Ocidente que a União Soviética representava uma terrível ameaça para as instituições democráticas do mundo livre.Basicamente, Deutscher apontava para quatro mitos:

1) o da superioridade da URSS;
2) o de que a URSS jamais alcançaria os EUA no tocante ao desenvolvimento tecnológico (especialmente o da energia nuclear);
3) o de que toda revolta ou revolução que aconteça no Terceiro Mundo na realidade é incentivada por Moscou;
4) o de que o bloco socialista constituía um monolito indestrutível.

O primeiro mito, segundo Deutscher, é fundamental para a compreensão das origens da Guerra Fria. Tratava-se de mostrar que, após a II Guerra, EUA e URSS emergiam como dois colossos. No entanto, nota ele, esta afirmativa só teria sentido para os EUA, uma vez que a URSS saiu da guerra com uma situação dramática: cerca de 20 milhões de russos haviam morrido, o país estava arrasado, sua economia em condições precárias. Até mesmo seu exército fora rapidamente desmobilizado. Portanto, a grande questão que se levanta é: teria a URSS condições e vontade de dominar alguma outra região do planeta? É altamente discutível. As únicas regiões da Europa oriental que Stalin ocupou, na realidade foram objeto de tratados assinados com o presidente norte-americano e o primeiro-ministro inglês, nasconferências efetuadas no final da guerra. Os soviéticos não moveram uma palha para ajudar os comunistas gregos e turcos, porque já haviam combinado naquelas conferências que aquelas regiões seriam de hegemonia britânica.No entanto, como diz Deutscher,
"pouco após o fim da guerra, a imagem do colosso russo, de um colosso maligno, voltado para a conquista e dominação mundiais, assombrou a mente do povo do Ocidente, e não apenas a do povo". (DEUTSCHER, Isaac. Ironias da História - Ensaios sobre o comunismo contemporâneo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1968, pp. 178-9.)
O segundo mito, ainda na opinião do mesmo autor, chega ao ridículo de desconhecer os avanços dos soviéticos no campo tecnológico. Dizia-se que os americanos teriam o monopólio da bomba atómica por muitas décadas; no entanto, em 1949, os soviéticos conseguiam fazer explodir a sua bomba.
"Mais tarde ainda, garantiram-nos que, embora ela (a URSS) pudesse ter um grande número de bombas atómicas, certamente não seria capaz de fabricar bombas-H. E quando isso provou estar errado, os peritos sustentaram que, embora os russos possuíssem as ogivas nucleares, não tinham nem teriam meios de enviá-las de modo a poder atingir o continente americano. Supunha-se que os mísseis balísticos intercontinentais estavam além do alcance da tecnologia russa. Por mais de doze anos, até que o primeiro Sputnik irrompeu no espaço exterior, em 1957, a guerra fria foi sustentada na presunção de uma absoluta e indiscutível superioridade americana em todos os campos da tecnologia." (DEUTSCHER, op.cit., p. 187.)
O terceiro mito é desmontado por Deutscher quando afirma que os movimentos rebeldes ou revolucionários que ocorrem no Terceiro Mundo possuem causas bem específicas, quais sejam a miséria e a degradação da vida a que são submetidos esses povos, e de que querer fazer crer que Moscou é a responsável por essas revoltas é simplesmente ridículo.Finalmente, com relação ao quarto mito, uma simples olhada para o bloco socialista mostra como é falsa essa ideia do monolitismo. A Iugoslávia rompeu com a URSS logo após a Segunda Guerra; a China, quando fez a sua revolução (1949), em pouco tempo se indispôs com os soviéticos. São apenas alguns exemplos, que mostram de forma categórica, que o aumento do número de países socialistas não significou o fortalecimento desse bloco. O bloco não é monolítico, uma vez que as suas rachaduras são bem visíveis.
Ora, todos esses mitos que Deutscher aponta e desmonta, serviram como base de uma intensa propaganda que justificou a Guerra Fria em seus momentos iniciais.A propaganda, aliás, foi uma das armas mais poderosas nesse conflito. Pelo fato de residir no Brasil, país que sempre se manteve ligado ao bloco capitalista, a única propaganda que aqui chegava era a dos EUA. E ela aparecia de forma extremamente diversificada: sob a capa de filmes, desenhos animados etc. O Super-Homem, o Capitão América, entre outros, eram os eternos defensores do Bem, da Verdade, da Justiça, da Democracia, E, curiosamente, suas roupas nada mais eram do que a bandeira norte-americana testilizada...
Quanto ao terceiro tema que se escolheu para discussão, acredita-se que talvez seja o mais significativo, uma vez que os habitantes do Terceiro Mundo, eram, desde 1946, obrigados a optar por um ou outro dos blocos em disputa. Mas será que haveria mesmo uma grande disputa entre eles? Alguns autores pensam que não, mas acreditam que tanto para os norte-americanos quanto para os soviéticos, era muito conveniente continuar a utilizar a ideologia da Guerra Fria. Veja-se, por exemplo, o que diz Noam Chomsky:
"As formas como os ideólogos das duas superpotências descrevem o sistema não é totalmente falsa. Uma propaganda efetiva não pode ser inteiramente falsa. Mas, por outro lado, a verdade real do sistema é completamente diferente. (...)O fato básico e crucial, que nunca é demais repetir, é que o sistema da Guerra Fria é altamente funcional para as superpotências, e é por isso que ele persiste, apesar da probabilidade de mútua aniquilação no caso de uma falha acidental, que ocorrerá mais cedo ou mais tarde.
A Guerra Fria fornece um arcabouço onde cada uma das superpotências pode usar a força e a violência para controlar seus próprios domínios contra os que buscam um grau de independência no interior dos blocos — apelando à ameaça da superpotência inimiga, para mobilizar sua própria população e a de seus aliados." (CHOMSKY, Noam. Armas Estratégicas, Guerra Fria e Terceiro Mundo. In: THOMPSON, Edward. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 190.)
Em outras palavras, Chomsky quer dizer que, para os norte-americanos e soviéticos, foi muito conveniente utilizar a ideologia da Guerra Fria, pois ela garantiu a justificativa para suas agressões a países do Terceiro Mundo. Seria ridículo acreditar que a Nicarágua ameaçava os EUA. Mas... se os americanos apregoassem que, por trás dos sandinistas estavam os soviéticos, eles garantiam moralmente, perante a humanidde, o seu direito de agredir aquele pequeno país. A mesma coisa acontecia com o outro lado: era ridículo pensar-se que o Afeganistão ameaçasse a URSS. Mas ela pôde invadi-lo, alegando que os norte-americanos estavam presentes e, desta forma, os afegãos se tornavam uma ameaça para os soviéticos...
Em suma: a ideologia da Guerra Fria nada mais fez do que contribuir para manter a dominação sobre os países do Terceiro Mundo. E é isto que precisa ser pensado quando se reflete sobre esse conflito.
(in Ricardo, Flávio e Ademar)

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